Crónica de Alexandre Honrado
Passeio pela cidade
Por vezes, a cidade é História, outras o simples recanto sombrio que permitiu histórias e lendas, tornando-se, em qualquer dos casos, ponto de encontro da civilização humana. Ou é, em alternativa, o que a história esqueceu no seu percurso, ficando a esmaecer nos anos com o que lhe sobra de ocupação do homem, esse ser simultaneamente religioso, político, económico, sensual, cultural, capaz de deixar à sua passagem tantos vestígios e pegadas desperdiçadas. Na atualidade, a cidade é obrigatoriamente a perceção da sua multiculturalidade, a exigência da interculturalidade, a inclusão, a sustentabilidade, a resiliência (palavra da moda), a diversidade cultural, social, religiosa, étnica. Um espaço esgotado que confundo o esgotamento das multidões presas na gentrificação (uma palavra da moda).
A ideia de que todos os povos do mundo formam uma única humanidade é ingrata; não somos um rosto homogéneo, mas as pequenas marcas que, vistas à distância, assemelham uma face, a mais visível, de uma estranha composição. Os homens — ao contrário dos animais — nunca se reconheceram entre si e deixam nos seus rastos a multiplicidade dessas diferenças. O que hoje é e serve o coletivo, amanhã não será́ — e perderá mesmo o préstimo que lhe era atribuído. É claro que ainda há́ exceções: marcas que, na comunidade, se perpetuam. Mas são reflexos da função inicial. Como os monumentos — que manifestam o desejo dos vencedores, da elite de um tempo e lugar, ficando à mercê de equívocos e de regressões. Memória construída para alimentar identidades pretendidas.
Raras vezes, a cidade é, mesmo assim, história adiada ou contornada, ou sobreposta e, se o é, merece então que se lhe estudem as exceções. Por isso, a cidade é, em simultâneo, memória e esquecimento. Podíamos dizer silêncio e som, mas seria reduzir a cidade a apenas um dos cinco sentidos. Coisa viva de coisas vivas — e coisa viva no inventário inorgânico que a serve — a cidade tem a diversidade inevitável e o funcional que lhe reconhecemos. Mesmo nos recantos aparentemente sem função e até os não lugares que a esvaziam.
No tempo presente, turbulento, que caracteriza os nossos dias em conflito, procurar na cidade – e, no caso, na capital do País – um lugar que resuma, numa bem definida e pequena geografia, o papel de recanto histórico e de história adiada, convulsiva e aplacada, história de relevo intermitente, um local que seja, metaforicamente, um palimpsesto no mapa da cidade e que gere, com simultaneidade, leituras de espaço urbano, de património e de criatividade, em suma, que seja lugar e não lugar. Talvez uma ciclovia, palavra já não em moda, ajude a compreendê-la, à cidade que nos afasta como uma velha paixão que não nos quer – e já não queremos.
Alexandre Honrado
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